- Mãe, todô!
Laura acordou. Feliz da vida porque finalmente aprendeu a levantar da cama, abrir a porta e sair ao invés de ficar lá sentada como se não andasse, gritando MANHÊÊÊ como se não houvesse amanhã. Sim. Laura teve que ser estimulada a sair do quarto por conta própria, como também teve que ser estimulada a brincar, pular e fazer inúmeras atividades que tantas crianças fazem normalmente. E não estou contando isso para fazer brotar a compaixão no coração da humanidade - odeio compaixão. Falei por que isso talvez dê bases para que entendam como está sendo o processo de desfralde aqui em casa.
Pois bem, antes de ter filhos eu tinha pânico do desfralde. Me apavorava com a ideia de ter uma criança se mijando toda pela casa, me via limpando xixi por todo o canto, tudo fedendo, etc. Mas lá por outubro ou novembro, época em que a Laura entrou na escolinha, deu a louca e tirei a tal da fralda. Então, para quem ainda não se aventurou, aqui vai nosso beabá:
Primeira etapa
Começamos testando a reação dela só em casa e durante o dia. Foi um sucesso no primeiro dia, ela amou ficar sem fraldas e se empolgou total com a dancinha senta e levanta no penico. Inicialmente tive medo de deixá-la curtir o sofá da sala, já que a impermeabilização não funciona para o xixi (oi?). Ficava de minuto a minuto convidando: "vamos fazer xixi filha!" Pegava pela mão a criatura e levava para o penico lá no banheiro, ensinava a tirar a calça, blablabla.No segundo dia ela concentrou seu ódio no penico. Assim que o viu abriu o maior berreiro, não quis saber de sentar no dito cujo e mandá-la fazer xixi parecia o mesmo que dizer: "filha, vá para a forca e morra". Mesmo assim não teve nenhum vazamento, mesmo contrariadíssima ela fez xixi no penico bem bonitinha.
Nos dias que se seguiram, como o mau humor aumentava, Camila resolveu colocar o penico na sala, assim ficaria mais perto de nós e talvez não se irritasse tanto. Deu super certo, ela fez as pazes com a privadinha e voltou à animação do primeiro dia. Nesse ponto, resolvemos avisar na escola que estávamos mantendo-a sem fralda durante o dia, que se possível dessem continuidade ao trabalho por lá.
Material usado: calcinhas, pano, desinfetante e paciência.
Recursos adicionais: convite para fazer xixi a cada 2 minutos e meio (não eram perguntas, eram CONVITES, creio que faz toda a diferença quando a criança está na fase do NÃO), dancinha do xixi e do cocô feliz, tchau para o xixi, repetição do ritual pós-penico: levanta do penico, limpa a perereca, coloca a calcinha, dá a descarga.
Resultado: nem contabilizei quantos xixis tivemos na calça, mas foram poucos, pouquíssimos, nem cheguei a me irritar.
Tirada de fralda primeira etapa: sucesso total.
Segunda etapa
Como a coisa toda tava uma maravilha, arriscamos tirar a fralda também durante os percursos de carro. Nosso maior medo aqui era que se rolasse uma escapada o trabalho seria triplo - santa paciência tirar a capa daquela cadeirinha para lavar -, sem contar que percorremos com ela longos trajetos cada vez que saímos de casa. Tudo isso fez com que levássemos algumas semanas para criar coragem.Mas quando o dia chegou, chegou chegando. Tiramos e ela fez direitinho a parte dela. Dois momentos foram cruciais para percebermos de que ela estava mesmo preparada para viver sem fraldas:
1- Um dia eu retornando para casa com ela quando encaro um belo congestionamento. Lá pelas tantas, Laura fala a frase arrepiante "Mãe, té xixi". Olhei para ela disfarçando a tensão e falei: "agora não filha, mas quando a gente chegar em casa você pode fazer xixi ok? (por favor por favor por favor por favor)". Ela: "tá bom!" E cumpriu o combinado, chegamos em casa muitos minutos depois e a calcinha estava seca.
2- Pouco tempo depois de tirarmos a fralda nos trajetos, encaramos uma viagem longa para o RS. Foram 7 horas na ida e 10 horas na volta. Paramos duas vezes em cada etapa, Laura não pediu para parar nenhuma vez e fez xixi somente nos banheiros. Sei que não estava apertada, pois seguiu brincando e se divertindo - e até dormindo - numa boa o caminho todo.
Material usado: calcinhas.
Recursos adicionais: nenhum.
Resultado: Laura nunca fez xixi na cadeirinha, então o resultado não poderia ser melhor.
Tirada de fralda segunda etapa: sucesso total.
Terceira etapa
Quem pegou no sono com tanto tédio agora pode acordar que a ladainha começou rs Depois de meses usando fraldas apenas para dormir, eu e Camila fugindo sempre da conversa enfim decidimos encarar: já era hora de tirar a fralda noturna. Como sempre esquecíamos de comprar aquela capa para forrar o colchão, fomos adiando a data, o que não sei se foi bom. Afinal, Laura muitas vezes deu sinal de que era capaz de segurar o xixi durante a noite - várias manhãs vieram com fralda sequinha. Mas passava o tempo e o xixi voltava a surgir, nos desencorajando a começar a terceira e dolorosa etapa.Mas como acontece sempre, um belo dia a gente se jogou na coisa: enfiamos um saco de lixo gigante na cama sob o lençol, reduzimos o líquido da noite e fizemos a lição de casa com a pimpolha. Ela já estava sendo adestrada para isso há um tempinho, mas o lance foi mais intenso no dead line. E assim começou:
1º dia: cama sequinha de manhã, criança e mamães felizes a cantar. Esse foi o assunto que reinou no café da manhã e a Laura não parava de falar sobre o fato, não duvido que tenha contado até para a professora.
2º dia: mais um dia de cama sequinha e eu já começava a respirar - então minha filha seria dessas crianças iluminadas?
3º dia: HA-HA. Acordei e lidei com uma criança tão enxarcada que deu a impressão de que ela fez xixi plantando bananeira na cama. Fiquei irritada e tal, expliquei que ela deveria ter levantado e feito xixi no penico, mas ok né? Acontece.
4º dia: mais xixi e mamãe aqui um pouquinho menos paciente explicando o que ela deveria fazer e quase esquecendo de imprimir na voz aquele tom positivo ideal para uma maternidade saudável.
5º dia: só não tinha mais xixi porque senão faltaria espaço para o cocô. Sim, uma criança que nunca havia feito cocô na calça, que sempre foi um reloginho, desregulou. E a mãe aqui desregulou mais ainda: dei bronca, perdi a paciência, tirei a roupa suja aos puxões e dei um banho com zero amor. Como parecia que ela não se importava, aquilo me frustrava ainda mais. Ridículo eu sei, mas eu sou assim: ridícula e irracional de manhã.
6º dia: cheguei no quarto e vi a cena: lençol e plástico no chão, criança deitada no colchão cheia de xixi... (calma que agora vem a parte difícil)... Cantando. Sim, ela estava cantando. Tarja preta para o meu momento surtado: fiz tudo o que não podia fazer, briguei, gritei, falei sem parar por vários minutos, fiquei de mau humor o resto da manhã, coloquei criança de castigo por ter tirado o plástico, etc. Um horror. Depois desse show matinal, liguei pra Camila que estava no trabalho e desandei a contar tudo e dizer que eu não ia me arrepender de coisa nenhuma, que aquela criança tava fazendo de propósito e que tudo se foda. Cinco minutos depois uma culpa me corroeu fundo e fui bater um papo com uma Laura triste. Falei coisas mais positivas, usei voz calma, olhei no olho, abracei, convidei para brincar... Enfim, o equilíbrio em pessoa.
Material usado: máquina de lavar, vários pijamas, calcinhas e lençóis, grandes doses de irritação.
Recursos adicionais: gritos, broncas e daí para pior. Cheguei a tirá-la da cama uma noite para fazer xixi, mas morri de pena porque ela dorme muito bem. O habitual era reduzir líquidos à noite, mandar fazer xixi antes de dormir e logo ao acordar.
Resultado: começou bem, mas graças à habilidade maternal aqui, o negócio desandou.
Tirada de fralda segunda etapa: fracasso total.
Depois de alguns dias com xixi diário na cama, eu disfarçando a raiva de ter que fazer a cama e lavar tudo todos os dias para não sobrecarregar nossa gostosinha que não tem culpa de ter uma mãe estressada, passamos a considerar outras opções. Em uma conversa com uma amiga que é psicóloga, mãe e super ponderada, contei a novela do desfralde noturno e perguntei se ela achava que seria problemático voltar às fraldas à essa altura da história. A decisão foi tomada depois de eu ouvir a pergunta: "O que você acha que será mais traumático: ela acordar todos os dias vendo você fingir que não se irrita ou voltar a usar fraldinha por um tempo e ter a mamãe feliz de volta?"
Né gente, eu sempre levando os tapas na cara. Fui pra casa decidida a voltar para as fraldas. À noite, na hora de dormir, conversei com ela. Mostrei a fralda e falei que eu a admirava por se esforçar em fazer xixi no penico, e que o xixi na cama não era um problema, que iríamos colocar a fralda de novo e mais tarde tentaríamos mais uma vez. Que isso significava que ela estava crescendo e aprendendo a ser uma criança maiorzinha e que a mamãe estava (cof cof) super feliz com isso. Aplausos.
1º dia de fralda: Laura acorda feliz da vida dizendo que não fez xixi na cama. Te falar? Psicologia infantil não é ciência, é praga rs
A partir desse dia, hoje ela completa 4 dias de retorno às fraldas e além de não fazer um pingo de xixi na cama, também aprendeu a sair da cama e abrir a porta. Não sei ainda quando vamos tirar novamente, mas fica a dica para quem vai passar por isso: escândalos matinais não resolvem.
Resumo da ópera
Por mais que a gente se prepare para o momento; que saiba que essa é uma tarefa simples para nós, mas importantíssima e muito difícil para os pequenos; que saiba que temos que ter muita paciência e amor, criando estímulos para que a criança aprenda a controlar seu xixi; que isso funcione como um trampolim para que a criança se torne mais segura e independente... Por mais que a gente saiba de tudo isso, na hora do vamovê a situação é: você trabalhou até tarde, acordou todos os dias da semana com - além das tarefas habituais - cama molhada, lençol, cobertor, travesseiro, pijama, calcinha, meia e criança para lavar, falou a mesma coisa infinitas vezes e a criança parece ter entendido mas é difícil saber o que realmente entende uma criança de 2 anos. Enfim, você está com frio, cansada e estressada antes de tomar o café da manhã.Então a grande lição é: não superestime seus poderes de mãe - uma cama molhada ainda pode te derrubar!
Ok, agora a lição verdadeira: o aprendizado no ser humano não é linear, e sim espiral. Aprendemos e desaprendemos a todo o instante e isso é muito fácil de perceber nas crianças, pois elas ainda sabem poucas coisas. Portanto tudo tem que ser incansavelmente repetido e sim, temos que agir de forma positiva, pois eles percebem nosso olhar raivoso e tom de cobrança, sensação horrível que acabam carregando para a vida.