terça-feira, 19 de março de 2013

Dias de guerra

Há tempos enfrentamos dificuldades à mesa. Laura tem um excelente paladar: gosta de tudo, come de tudo. O problema é a quantidade e a disposição para tal, detalhe que nos deixa constantemente de cabelos em pé.

Recentemente fomos ao médico e descobrimos que ela cresceu um pouquinho, porém perdeu peso - um peso que já era abaixo do normal. A pediatra não demonstrou preocupação, pois os exames mostram que ela está com a saúde excelente. Porém, como fazer o coração de duas mães acreditar nisso? São meses e meses de táticas falidas, conselhos infundados, dicas que não dão certo e, no meio disso, ela alterna entre períodos de jejum absoluto e alimentação reduzida. Tem vezes que apenas um pratinho de comida é a quantidade ingerida durante um dia inteiro.

Para mamães que vivem esse desespero, relato aqui as táticas que já usamos e seus resultados:

- Não sai da mesa enquanto não terminar: essa é a tática dos ancestrais, até a Super Nanny usa. Mas ela não conhece a Laura. A mulinha já passou horas na mesa, já emendou uma refeição na outra sem sair, já dormiu na cadeira, já passou mais de quatro horas sentada sem demonstrar cansaço ou interesse em ceder. Sucesso: 1/10. Tática abandonada por falta de tempo e ineficácia.

- Só vai comer isso e nada mais: outra dica comumente ouvida e lida por aí, ainda a usamos volta e meia. Só funciona de tempos em tempos, se fizer isso dois dias seguidos ela fecha a fábrica e não quer nem saber. Sucesso: 3/10. Tática volta e meia aplicada disfarçadamente, mas em sequência não funciona.

- Castigo: horripilante. Além de não funcionar, é uma das piores que já tentamos. A hora de comer vira um inferno, a gente come mal, ela come mal, choradeira por horas... Aff não recomendo. Sucesso: 0/1000. Tática completamente abandonada (mas já foi resgatada em dias de irritação suprema).

- Empurrar a comida goela abaixo: não, não tenho vergonha de dizer que já tentamos isso sim. Mas que é absurdo, isso sem dúvida! Essa tática é a pior de todas e NUNCA funciona nem tem chance de funcionar, visto que ela rejeita a comida justamente porque está sendo tratada com total agressividade. Sucesso: -2/10. Tática completamente abandonada sem chance de voltar.

- Psicologia reversa: um dia em meio aos seus momentos anorexia forever eu dei um nó na cabeça dela: "se você não comer eu vou tirar o prato e não deixo você comer!". Sim, funcionou perfeitamente. Ela se agarrou ao prato e comeu como se não houvesse amanhã. Eu segurei o riso e comemorei internamente. Mas no dia seguinte tentei repetir o sucesso e... tcharan! Ela já estava vacinada. Sucesso: 2/10. Tática abandonada por inconsistência teórica e prática, mas volta e meia dá pra usar.

- Brincando com a comida: a tática mais amada do Brasil, pois não é agressiva, não é deprimente, é politicamente correta e combina com o nosso estilo de educação positiva. Coloquei a comida em panelinhas de brinquedo com talheres e pratinhos de brinquedo. Ela adorou e comeu tudo! Mas tão feliz quanto veio, foi. Na segunda tentativa ela não achou mais graça. Sucesso: 1/10. Tática abandonada pelo trabalho extra que dá e porque na segunda tentativa quase arremessei os brinquedos na parede.

- Criança não morre de fome com um prato na frente: eu tento provar diariamente que essa teoria é uma mentira descabida! Exageros à parte, claro que não se morre de fome assim, mas morrer não é o único infortúnio de não comer direito né minha gente? Quando a criança se contenta com 100 gramas de alimento diário, você tem que fazer com que esses 100 gramas sejam o supra sumo da nutrição. Mas isso é impossível! Então quem acha que não é estressante passa o telefone do terapeuta. Sucesso: 0/0. Tática abandonada por falta de estrutura emocional das mães.

- Comida não é importante: quando adquirimos certo grau de serenidade decidimos encarar essa tática. A regra da casa mudou: comida não era mais importante, imagine só! Na prática, se a Laura não quisesse comer, ok vá praputaqueopariu lá brincar e me deixe almoçar em paz. Não quer? Tem quem queira! Sucesso: 3/10. Tática não completamente abandonada porque funciona mais do que todas as outras, mas invariavelmente ela deixa de comer no almoço pra depois repetir o lanchinho na escola. Isso me deixa tão irritada que não consigo manter o equilíbrio todos os dias.

- Compensação: eu e muitas mães no mundo odeiam essa tática, pois ela ensina errado - o resultado é que comer é apenas um trampolim para ganhar aquilo que ela realmente gosta - enaltecendo o valor da porcaria da sobremesa ou daquele brinquedo inútil que não agrega nada. Mas vá... Como ninguém é de ferro tentamos algumas vezes. Sucesso: 2/10. Tática não-orgulhosamente usada volta e meia, especialmente em público quando queremos evitar estresse.

- Televisão: também não é nada bonito de se dizer, mas como todo mundo fala que comer na frente da TV engorda, lá fui eu mudar a posição da Laura na mesa para que ela pudesse comer vendo seus desenhos favoritos. Um desastre: ela abstrai tanto que esquece até de mastigar o que está na boca, quanto mais de comer o que está no prato. Sucesso: 0/3. Tática abandonada por falta de adesão das partes.

- Criança que não come não vai pra escola: tem coisa mais horrível do que isso? Pois é, a que ponto chegamos. Mas não criamos essa tática à toa, foi mais por que um dia a hora passava e nada de ela encostar no prato, até que se não comesse logo teria que levá-la para a escola sem almoço. Então saiu sem querer: "Laura se você não comer, não vai pra escola hoje!" Pum. Comeu tudinho em minutos. Achei aquilo uma maravilha, mas fiquei envergonhada pela tática desleal. O problema maior foi quando começou a falhar e tive que bancar o prometido. Sucesso: 5/10. Tática nada recomendada. Funciona, mas nem sempre, e a culpa quando não funciona é imensa.

- Ignorando a existência da pessoa: criança sempre faz tudo para ganhar a atenção de todos, com base nisso resolvemos ignorar seus protestos e seguir conversando e comendo calmamente. No início funcionavam bem, ela via que não ia ganhar nossa atenção e então não fazia sentido seguir com a greve de fome. Mas ficou confuso com o tempo, pois o que fazer ao terminarmos? Deixá-la na mesa até comer tudo ou tirá-la mesmo que não tenha tocado no prato? A elaboração dessa dúvida nos levou para outras táticas inevitavelmente. Sucesso: 3/10. Tática abandonada por si só.

- Cobras e lagartos: desde quando viver sob gritos é bom? Num mundo ideal nunca agimos com agressividade contra crianças, bichos, esposas, mães, etc. Mas o cotidiano é desgracento, faz a gente perder as estribeiras e nesse ponto não é difícil fazer uma descendente de italianos dar seus gritos. Já bancamos o general com a Laura na mesa infinitas vezes, mas é desgastante e, sobretudo, contra os nossos princípios - apesar de funcionar. Sucesso: 5/10. Tática exaustivamente abandonada por que não aceitamos viver nem educar no volume máximo.

- Supervalorização: ao invés de criticar sua não-alimentação, naturalmente passamos a vibrar muito a cada boca cheia. A mesa virou um circo e ela usou muito isso para se safar sem comer. Sucesso: 0/10. Tática abandonada porque parece bonitinha, mas simplesmente não funciona.

- Blablabla: não dizem que conversar é o melhor a fazer sempre? Pois é o que fazemos: conversamos, explicamos o motivo pelo qual ela precisa se alimentar, falamos sobre o quanto é importante ela encher a barriguinha, contamos historinhas sobre crianças que comem e crianças que não comem, oferecemos a chance de ela fazer uma escolha, parabenizamos quando faz a coisa certa, tornamos a explicar quando não faz... Sucesso: -/-. Tática usada sempre para tudo, mas sem qualquer sinal de que funciona - apenas seguimos fazendo porque acreditamos que um dia quem sabe.

- Insistir mas não forçar: ninguém para pra pensar no quanto essa tática é contraditória. Se você oferece um alimento e a criança diz não, ao insistir ela falará não novamente, e aí você terá duas escolhas: ou forçar ou deixar pra lá. No caso da Laura, cada negativa dela que aceitamos é um perigo, pois ela passa a dizer mais nãos ainda! E se não podemos forçar, mas também não podemos ceder, como insistir então? Sucesso: 0/10000000. Tática abandonada por sua inviabilidade prática.

- Mão na cintura e contato visual: essa é a tática campeã. Consiste apenas em parar ao seu lado em pé de mão na cintura olhando fixamente para os seus olhos. Eu não sei o que ocorre, mas em minutos ela baixa a cabeça, pega o talher e come. Sucesso: 10/10. Tática ótima, porém abandonada por que Laura chegou ao ponto de só enfiar a porra do garfo na boca depois de travar essa batalha silenciosa TODAS AS VEZES, nos obrigando a passar a refeição inteira parando, levantando, esperando ela comer, tornando a sentar, depois levantando novamente, parando, etc. Aí não né?

Atualmente ela come melhor do que antes, mas ainda gosta de dar trabalho nesse quesito. O fato é que nenhuma tática funciona isoladamente, e nada dura por muito tempo.

Hoje depois de horas de briga para beber meia canequinha de leite, muito choro e frustração de ambas as partes, resolvi que era hora de fazermos as pazes. Depois de conversar muito, abracei minha magrelinha e senti o corpinho dela sacudir num soluço... Ela se agarrou em mim e falou: "Pupa... sim mamãe". Com isso quis dizer que entendeu o que eu falei e pediu desculpas. Quase chorei.

Ah maldita maternidade rs

7 comentários:

  1. Desculpa, mas eu ri tanto desse post! sei que o assunto é sério, seeei dos perrengues e angústias que vcs passam, mas vc escreve de um jeito que não tem jeito! hahahahaha! Essa menina tem a personalidade de ferro, menina, ela é dura na queda meeesmo! Eu continuo achando que a tática do diálogo e da paciência são as melhores, mas a looongo prazo. A curto prazo e no desespero, faz-se o que dá certo! Eu tb acho que o fato dela estar melhorando nesse quesito, se alimentando um pouquinho melhor, indica que a coisa vai passar, que é fase (e essa é a maldita frase que mãe nenhuma quer ouvir! HAHAHAHAHA)... e que vcs estão fazendo a coisa certa, no final das contas o resultado será positivo. Pelo menos vcs não estão trocando as refeições por besteiras, já disse que isso é o que eu considero o mais errado, é o tio no pé da maternidade, vocês continuam com consistência.
    Fico aqui na torcida pra essa passarinha passar a comer mais e melhor e parar de dar dor de cabeça para as mamães. E pra vcs ficarem mais tranquilas, na confiança de que essa fase vai passar.

    Beijos!

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  2. Bom, meninas, sobre esse assunto, recomendo a vocês a leitura desse post que uma amiga que já passou por essa situação escreveu, seguindo os conselhos do pediatra espanhol Carlos Gonzales:

    http://oquehadeerrado.blogspot.com.br/2012/04/meu-filho-nao-come.html

    O Gonzales tem um livro ótimo que trata sobre esse assunto, vocês podem baixá-lo aqui: http://www.4shared.com/document/t0Dmx7bO/gonzalez_carlos_-_mi_nio_no_me.htm

    Beijão, e boa sorte!

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  3. Também ri muuito do post!!
    Mas que deve ser dificil, isso deve!!
    Mas ela não come nada, não come só comida tipo arroz, feijão e tal ou adora aquelas bobagens??
    Menos mal que a pediatra disse que não tem problema todo esse jejum! Pode ser fisiológico e o corpo dela simplesmente é assim e funciona muito bem com esse pouquinho de comida!
    Enfim, boa sorte aí com a luta diária com a barriguiha dela!

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  4. Ai Vivi, por que Deus nos mandou essas mulinhas? A gente cuspiu na cruz, não é possível!!!! E olha, eu não ri, não. Primeiro porque estou com o ânimo em frangalhos e depois porque sei o que é ter uma cabecinha dura em casa. Jamile come tudo o que vê e pede "maisi", mas quando ela não quer uma coisa, o que me tira do sério é o chororô e a repetição de palavras. Ela se põe a chorar e fica repetindo "chão, chão, chão, chão, chão..." interminavelmente até que eu a coloque no chão. E eu tento usar a tática do olho no olho, me abaixar e ficar no mesmo nível que ela, etc... Não adianta, a criatura simplesmente não para de repetir a maldita palavra e chorar absurdamente. Quem poderá nos socorrer???? ;o)

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  5. Isso é quase um manual de como agir nas horas da refeição... rsrsrs. Adorei! Vou lembrar disso tudo quando chegar minha hora.

    Abraços!

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  6. Isso é quase um manual de como agir nas horas da refeição... rsrsrs. Adorei! Vou lembrar disso tudo quando chegar minha hora.

    Abraços!

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  7. Ai Vivian, é tão difícil filho que não come.... passamos por isso aqui em casa com a Laura, mas ela sempre foi gorducha, então eu não me preocupava muito se ela não comesse por dois dias seguidos, por exemplo.

    Já usamos quase todas essas táticas, e uma das que funcionou por alguns dias foi colocá-la para cozinhar conosco, algumas vezes. Isso deu super certo, mas só nas primeiras vezes... depois ela nem queria cozinhar, pq sabia que teria que comer...

    Eu espero que seja uma fase, pq a da nossa casa tem passado com o tempo (e com menos comida ingerida nos intervalos das refeições), e, ainda assim, ela come pouco perto do que outras crianças comem por aí.

    Beijo!

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