terça-feira, 2 de outubro de 2012

Dor verdadeira

Basta ler alguns dos meus posts por aqui para perceber que esse espaço me inspira à reflexão. Na verdade não é o espaço em si, várias vezes desabafo em caracteres silenciosos no word só para depois ter o prazer de deletar, simbolicamente tentando também apagar minhas aflições.

Desde o dia 27 de julho estamos de licença do trabalho. Essa "folga" veio depois de uma sequência, creio eu, de uns 4 ou 5 anos sem férias. Ou mais. Assim, com tanta novidade para assimilar, estava ansiosa para poder deixar algumas preocupações de lado, mas confesso que essa etapa da vida mexeu muito mais comigo do que eu esperava. Por um lado, a felicidade de poder ter aquele pouco mais de calma que a vida pede; por outro, o medo de me afastar demais de mim.

Não ficamos paradas um segundo. Tivemos funções exaustivas com médicos, cadastro para retirada de medicamentos, consultas, inclusão da L. nos planos odontológico e de saúde, compras mil, a escolha da escolinha, revezamento de visitas de amigos e parentes que moram longe, encaminhar adoção definitiva... Enquanto isso, zero salários. Adotantes precisam dar entrada diretamente no INSS para receber o benefício, diferentemente de gestantes que continuam recebendo o valor da empresa, que é reembolsada pelo INSS. Falando assim parece simples. Até que você liga e descobre que precisa fazer um agendamento prévio (no meu caso foi para mais de um mês adiante), e que depois de ser atendida pela primeira vez, o seu pedido vai para avaliação e você aguarda uns 40 dias para receber uma carta em casa indicando o dia do pagamento.

"Mas não se preocupe, eles pagam retroativo", foi o que me disseram os atendentes nas mais de duas vezes que estive lá. Pois e como faço para viver retroativo? Pagar as contas retroativo? Comer retroativo??

Sem salário de ambas, eu e a Cah passamos a viver das nossas economias (que obviamente estavam reservadas para outros fins) e do pouco que minha empresa lucra. Hoje, dia 02 de outubro, ainda não recebemos um centavo e não sabemos quando o $$ virá. Por si só, esse assunto já é suficiente para reativar minha gastrite que estava mais para um vulcão adormecido.

Mas além das praticidades (ou falta de), é um pouco angustiante descobrir que você não ganha superpoderes com a maternidade. Aquela paciência ilimitada não existe para seres humanos normais, que se entopem de defeitos no decorrer dos anos. Sentir que você vira mãe e não está melhor do que antes e que aquele defeito horripilante não desapareceu magicamente é frustrante. Eu me tornei mãe assim, cheia de falhas. E isso é doloroso de se perceber. Acho que quando buscamos a maternidade temos muitas expectativas com o filho sim, mas mais ainda com nós mesmas. E todas elas desabam no primeiro castigo que não surtiu o efeito esperado, no primeiro dia que você olha para sua família perfeita e não se sensibiliza tanto assim....

Mas a vida é caprichosa, faz o favor de nos cutucar ou sacudir se preciso. Ontem soube que uma conhecida do trabalho sofreu um grave acidente de carro. Ela tem a minha idade e o filho, que estava com ela no momento, é mais novo que L.

Minha amiga (sobre)viveu ao acidente, mas seu filho não. Ele morreu um mês antes de completar 2 anos.



Lembro do dia em que ela encheu os olhos de lágrimas ao saber da história de L. e disse: "Depois que nos tornamos mães, não conseguimos suportar a dor de saber que existem crianças sem família".

Agora existe uma família sem sua criança. E então descobri que isso dói muito mais.

4 comentários:

  1. Triste, triste, triste!! Muito triste! :(
    Nessas horas a gente fica se perguntando qual a lógica do mundo... Porque uma criança inocente precisa perder a vida na estupidez que é um acidente de trânsito?? E, paradoxalmente e com uma pontinha de culpa, agradecemos a Deus por nossos familiares, por nossos filhos e pais, por nossos parceiros, pq não estamos na situação dessa família. Que Deus traga consolo aos pais dessa criança e receba sua alminha nos braços.

    E sobre a primeira parte do post, como já conversamos pessoalmente, é um absurdo gigantesco essa diferenciação da licença maternidade para adotantes e gestantes! Simplesmente não faz sentido! Faz menos sentido ainda a burocracia pra se ter acesso ao dinheiro que é seu por direito! E as famílias que não possuem economias nem uma segunda fonte de renda, fazem o que?? Sobrevivem de vento? de caridade? É tão absurdo que chega a ser ilógico! Já me revoltei com isso da primeira vez, e continuo revoltada agora. Tem que haver uma forma de se mudar isso. Adotar, no Brasil, já é tão difícil... E parece que fazem questão de dificultar até no que deveria ser fácil!

    Quanto aos erros, defeitos e humanidades... toda mãe é pessoa. Assim como todo filho também é pessoa. Somo indivíduos cheios de características únicas, boas e ruins. Mas nós podemos fazer o melhor possível com o que temos, com o que somos. Tenho certeza que vocês duas estão fazendo o melhor como mães da L., e ela está aprendendo a ser um ser humano melhor com vocês. Culpas, neuras, dúvidas, quem não tem??? Eu não sou mãe (aliás, sou a orgulhosa recém-mãe de uma gatinha [que não é a Dindi, longa história]) e já sofro antecipadamente, imagina vcs que entraram nesse mundo de cabeça e há tão pouco tempo?? Então, minhas amigas, tenham fé e paciência, nos momentos ruins, e aproveitem muito os momentos bons. Tenho certeza que a maravilha da maternidade supera o caos que, às vezes, se instala.


    ResponderExcluir
  2. O relato todo é triste, mas o final nos faz perceber que somos capazes de suportar tudo, menos a ausência de um filho. Arrepio-me só de tentar imaginar o sofrimento dessa mãe. Todas as nossas aflições passam a ser grão de areia. Que Deus dê muita força, amor, serenidade e fé para essa mulher suportar tanta dor. Outro dia vi um dos filmes sobre mães, Chico Xavier, e lenço foi pouco para aguentar tanta emoção. Assim como as mães de filhos especiais, acredito que as mulheres escolhidas por Deus para viverem um acontecimento desses são especiais, superiores, possuem poderes únicos. Isso certamente não é pra qualquer um.

    ResponderExcluir
  3. Vi e Cah, verdadeiramente, lamento pela perda da amiga de vcs. Sinto-me tão menor no mundo, em uma situação como essa, que me reservo ao direito (e por que não dizer dever?) de fazer silêncio porque é uma dor que ngm quer supor sentir, mas só sentindo se sabe a sua grandeza. O máximo que posso fazer é pedir muito a Deus para que ele ilumine a família e dê união e sabedoria para que consigam passar por essa fase de espírito erguido.

    Quanto à situação de vocês, estamos distantes, mas espero que torcer para a resolução rápida não seja o máximo que possamos fazer. Portanto, novamente, nos desnudamos e nos colocamos à disposição de ajudá-las no que for necessário e no que pudermos.

    De verdade!

    ResponderExcluir
  4. Sem comentário, amiga. Que essa família encontre uma forma de passar por esse momento doloroso e consiga sair mais forte. Bjos!

    ResponderExcluir