quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Tudo o que somos é apenas o que somos

"Ah é você vai poder adotar... que bom!" Esse foi o jeito que minha mãe encontrou de entender e aceitar minha sexualidade depois de tantas conversas. Ela sabia que esse era meu sonho, não o de ser mãe biológica, mas o de poder conquistar o amor de uma criança mesmo que não existam laços genéticos. Isso, somado ao carinho que meus pais têm por crianças me faz acreditar que o dia de dar a grande notícia será comemorado.

Transformar a ideia que as pessoas mais conservadoras têm em relação à nossa sexualidade é só um dos nossos desafios. Fazê-los entender que o sexo não é tudo o que nos motiva a buscar a plenitude em uma relação homossexual faz toda a diferença e digo isso por experiência própria. Meus pais só conseguiram encarar minha sexualidade numa boa mesmo quando passaram a conviver conosco, frequentar nossa casa, passar os feriados aqui participando da nossa vida.

Estendendo para a sociedade como um todo, creio que essa seja a conquista mais importante dos casais homoafetivos. Afinal, não lutamos apenas contra o preconceito dos heterossexuais, dos fanáticos e dos sexistas, lidamos com a questão moral (mesmo que hipócrita) a que nos confere o título de lésbicas. E como irrita quando a gente luta tanto para mostrar que tem uma vida extremamente normal quando chega a Parada Gay e o que vemos é a promiscuidade geral, se ao frequentar uma balada LGBT só o que vemos são meninas e meninos se agarrando em grupos, colocando o fetiche acima de qualquer coisa.

Acredito que todos os lados cometem erros nesse sentido e, para piorar, parece que o mundo insiste em se separar, criar guetos estereotipados. Ao invés de conquistar os direitos de igualdade, acabam estimulando ainda mais o preconceito alegando que de fato somos tão diferentes a ponto de não querermos frequentar os mesmos lugares, ter os mesmos amigos. O hiato que se cria entre os grupos é só mais um nessa sociedade com mania de segmentação e ninguém - absolutamente ninguém - sai ganhando.
Por que um bar precisa ser diferenciado pela sexualidade dos frequentadores? Por que os filmes perdem as categorias de romance, ação, aventura, épicos quando trazem casais gays na trama? Por que nas novelas o personagem gay é sempre O Personagem Gay?

Para acabar com um preconceito desde a raiz precisamos fazer as pessoas se acostumarem com o diferente - que é o normal - ao contrário de tentar mostrar o tempo todo o quão diferente somos. Porque não somos de fato. Todos sentem, riem, choram, amam, odeiam, trabalham, estudam, pensam, saem, entram, fofocam, participam, convivem. Temos que ter orgulho do que somos e de tudo o que compõe nossa essência - incluindo a sexualidade - mas temos que lembrar de sermos iguais a todo mundo, senão seremos sempre O Personagem Gay onde quer que a gente vá. Eu sou lésbica, e sou jornalista, esposa, amiga, pisciana, ansiosa, tagarela, baixinha, ateia, branca, colorada, empresária. E serei mãe.

Simples assim.

8 comentários:

  1. Nossa disse tudo! Sobre a parada, as balada e as novelas!!! Faço de suas palavras as minhas! 100%!

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  2. Adorei o post!
    Faço de suas palavras as minhas (2)!

    Beijosssss

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  3. Vivan, esse é o ponto: diferentes na igualdade e iguais na diferença! Enquanto a sociedade não entender que a diferença é que faz esse "caldo" ficar mais grosso e portanto mais saboroso, enquanto formadores de opinião naturalizarem a intolerância e discriminação, continuaremos nadando contra a correnteza. E como disse, haja braço pra tanta água. Mas ainda acredito no trabalho de formiguinha e esses formigueiros ainda vão se espalhar por todo o mundo.

    Ah, gosto muito da forma como escreve!
    Abraço
    \o/

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  4. Muito bom o seu post, Vivian!

    Lembro que uma vez comentei com a Lu que a homossexualidade acaba definindo quem você é, para o mundo. Uma vez que as pessoas sabem que vc é gay, não dizem mais "fulano, que é arquiteto, que é alto, que usa óculos, que mora na rua tal". Não, é "fulano, o gay" (isso quando não usam os termos perjorativos) Parece que todo o resto perde a importância, só o que conta é a sexualidade, como se ela definisse todo o resto.

    E fora que é como você comentou, quando se fala em homossexualidade, as pessoas só pensam em sexo. Como se a gente também não sentisse, né? Como se, mais que desejar pessoas do mesmo sexo, a gente não amasse, se apaixonasse, se envolvesse e assumisse um relacionamento, como qualquer casal hetero.

    Enfim, concordo com tudo que você falou, tudinho. E também acho que cabe à gente mostrar que somos pessoas, gente de verdade, e que as diferenças existem aos montes, a forma como amamos é APENAS mais uma.

    Beijos!

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  5. Outro dia eu estava vendo um programa sobre sexualidade em geral.. na adolescencia, e um deles falou algo que realmente me chamou atenção. O negro por exemplo sofre preconceito na rua, mas quando chega em casa, em geral ele encontra acolhimento, consolo e carinho, o homossexual (claro que com excessões) sofre o preconceito na rua e ainda precisa se esconder dentro da própria casa, fingir que é outra pessoa ou simplesmente encarar mais um pouco de preconceito!
    E tem gente que ainda acha besteira a criminalização da homofobia... fala sério... Já é comlpicado lutar pelo lugar na família, imagina na sociedade...

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  6. Eu e a Vih já conversamos muito sobre esse assunto e chegamos a que conclusão que assim que começamos a agir de forma natural, falar sobre nosso casamento de forma natural, muitas pessoas tbm começaram a ver de forma natural. Às vezes o que falta é um empurrãozinho.

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  7. Esse foi um dos posts mais sensatos e realistas que li nesses últimos tempos em que venho frequentando blogs. Meus parabéns. Eu compartilho dessa mesma déia. O preconceito pode estar mais próximo do que nós imaginamos: dentro de nós mesmas. Abração!!

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